Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de S.Paulo, 23.12.1993
A Campanha contra a Fome, que Betinho coordena, foi o grande fator que levou o ano de 1993 a ficar com um saldo positivo para o Brasil.
A Campanha contra a Fome, que Betinho coordena, foi o grande fator que levou o ano de 1993 a ficar com um saldo positivo para o Brasil - um ano marcado pela descoberta da corrupção em níveis insuspeitados relacionando o Congresso com as empreiteiras. Essa campanha, que mais uma vez demonstrou a consciência cívica dos brasileiros, parte de um pressuposto: a eliminação da fome é um objetivo a curto prazo, é uma questão humanitária que pode ser resolvida em pouco tempo por uma sociedade que não é rica mas tem recursos suficientes para que ninguém passe fome. Dos 150 milhões de brasileiros, 60 milhões estão abaixo da linha de pobreza. Cerca de metade desse número - em torno de 30 milhões de brasileiros - são miseráveis, ou seja, em maior ou menor grau, passam fome.
A partir desse pressuposto a Campanha contra a Fome adotou uma estratégia: mobilizar a sociedade para obter os recursos necessários. Esta estratégia pode parecer utópica ou idealista, mas não é. Seus organizadores sabem que os recursos necessários para se eliminar a fome no Brasil não poderão originar-se apenas em doações voluntárias da população. Por maior que seja a boa-vontade da sociedade, e embora os recursos necessários não sejam afinal tão grandes, não será possível levantá-los apenas voluntariamente. Mas sabem também que sem a mobilização geral da sociedade brasileira, não será possível conseguir nem os recursos voluntários, nem os recursos estatais que são essenciais. E mais, que a mobilização da sociedade é fundamental para que os recursos destinados ao combate à fome realmente cheguem aos necessitados.
Na verdade, além dos recursos da sociedade, os próprios recursos do Estado, a nível federal, estadual e municipal, precisam ser "mobilizados". O que significa isto? Significa que é preciso que o Estado assuma, afinal, um papel claro na distribuição da renda. Para isto deverá, principalmente: (a) aumentar seus gastos com educação; (b) aprovar e implementar um sistema de renda mínima na linha do projeto Suplicy, já aprovado pelo Senado; (c) realizar a reforma agrária; (d) promover o planejamento familiar.
O financiamento desse programa poderá ser feito de três maneiras principais: (1) mudando as prioridades nos gastos do Estado; (2) prosseguindo e ampliando a privatização; (3) aumentando a carga tributária.
Mudar as prioridades nas despesas do Estado significa, em primeiro lugar, combater a corrupção e não eleger candidatos sabidamente corruptos. Significa também reduzir os gastos na duplicação de estradas que só interessam a classe média e na construção de obras urbanas faraónicas; significa eliminar subsídios que não se justificam mais; significa eliminar as vantagens indevidas de uma burocracia inchada.
O prosseguimento e ampliação do processo de privatização é uma fonte de financiamento para a distribuição da renda na medida em que se use a privatização para, de fato, pagar dívidas do Estado, reduzir sua carga de juros, e assim liberar recursos do orçamento para as despesas com educação, reforma agrária e garantia de renda mínima.
A terceira forma de financiar a distribuição de renda não significa necessariamente aumentar impostos. O aumento da carga tributária de 24 para cerca de 29 por cento do PIB é necessário. Não há dúvida que existem impostos em excesso no Brasil e que as alíquotas dos impostos indiretos são altas. A única alíquota de imposto que é escandalosamente baixa no Brasil é a alíquota marginal do imposto de renda sobre pessoas físicas. O Brasil, que é o país com maior concentração de renda do mundo, entre os países significativos e civilizados, tem uma taxa marginal de 25 por cento, quando nos demais países, inclusive a maioria dos subdesenvolvidos, essa taxa varia de 40 a 60 por cento. Entretanto, para aumentar a carga tributária, mais importante do que aumentar impostos ou fazer reformas tributárias é reduzir significativamente a sonegação.
A eliminação da fome via distribuição de renda finan