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O ódio e uma democracia ameaçada

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Nota no Facebook, 15.9.2019

Bolsonaro, Moro e Dellagnol são inimigos da democracia brasileira, mas o Brasil já realizou sua revolução capitalista e sua democracia é consolidada.


Diante da violência e autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro e seu séquito, muitos amigos manifestam sua preocupação com a democracia brasileira. Compartilho essa preocupação, mas sou mais otimista porque acredito que a democracia está consolidada no Brasil. Pode sofrer arranhões graves como aconteceu com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e com o desrespeito aos direitos civis ou ao Estado de direito praticado pelos dirigentes da operação Lava Jato. Mas a possibilidade que volte a se instaurar uma ditadura no Brasil me parece remota. Nossa democracia vem sendo ameaçada, mas resistirá.

Penso assim porque penso a democracia historicamente. Aqueles que não percebem que a democracia é um regime político situado historicamente no capitalismo, que a pensam desligada da história, geralmente veem a democracia como um sistema político frágil. Esse é, por exemplo, o caso do ótimo livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, Como Morrem as Democracias. Ótimo porque mostra como as democracias estão sendo enfraquecidas nos países ricos com o surgimento de líderes populistas de direita como Donald Trump; equivocado porque os compara com países nos quais o capitalismo está longe de estar consolidado como é o caso da Rússia ou da Turquia.

A democracia só se consolida historicamente depois que uma nação faz a sua revolução capitalista, ou seja, forma seu estado-nação e realiza sua revolução industrial. Então a riqueza da classe dominante não depende mais do controle direto do Estado e, portanto, a alternância de poder torna-se aceitável. Nas sociedades em que a revolução capitalista está ainda em curso, a oligarquia veta o sufrágio universal (um dos dois elementos essenciais da democracia, o outro sendo o Estado de direito) porque a apropriação do excedente econômico depende do controle do Estado, ou, vendo pelo outro lado, porque essa apropriação não ocorre principalmente no mercado através do lucro e de altos salários e bônus.

Quando um país já completou sua revolução capitalista, como é o caso dos países ricos e de alguns países de renda média como o Brasil, as elites econômicas, ainda que incomodadas com o aumento do poder das classes populares, aceitam a democracia. E geralmente a preferem a um regime autoritário que pode sujeitá-la a arbítrios e abusos aos quais não quer se sujeitar. Além disso, é uma classe dominante que precisa de mecanismos institucionais para dividir entre seus membros o poder e definir para eles como podem o alcançar.

É verdade que essa classe votou em Bolsonaro. Mas esse voto não foi a expressão dos seus interesses econômicos ou políticos. Foi o resultado de haver, momentaneamente, se deixado dominar pelo ódio - pelo ódio ao PT e a Lula. Não quero, agora, discutir as causas da erupção dessa irracionalidade. O que quero salientar é que ódio pode ter consequências políticas, como aconteceu no Brasil a partir de 2013, mas não é uma variável política cujos efeitos sejam duráveis porque esse ódio não reflete interesses das classes sociais. As elites econômicas têm formas muito mais racionais e efetivas de exercer seu domínio do que se valer de Bolsonaro. A forte perda de apoio que ele está sofrendo, indicada em várias pesquisas eleitorais, confirma o que estou dizendo.

Eu me preocupo mais com a ação de pessoas como Sérgio Moro, que pertenceu ao poder Judiciário, e Deltan Dallagnol, que ainda pertence ao Ministério Público. O ataque que eles fizeram ao Estado de direito enfraqueceu senão desmoralizou instituições que são fundamentais para a democracia brasileira. Mas eles também se beneficiaram do ódio, e não sobreviverão a ele.