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Sylvio Pereira, Pai

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S.Paulo, 14.5.1995

Hommage to my father, journalist, lawyer, politician, and, finally, distinguished novelist, in the moment of his death.
O pai da minha infância é o pai herói. O ex-jornalista que se tornara um jovem e brilhante advogado. Muitos clientes, uma equipe de sócios ainda mais jovens. Para ele o Direito é a realização da justiça e da moral é a profissão que só verdadeiros intelectuais, dedicados ao estudo, podem praticar com êxito. É nessa época que escreve e publica dois livros de Direito. É também o pai preceptor, que me ensina os valores básicos e me inicia na cultura universal. Uma das imagens mais vivas desse tempo é meu pai lendo para mim e meu segundo irmão, após o jantar, ainda à mesa, trabalhos literários. Lembro-me, especialmente, de ldquoO Homem que Sabia Javanêsrdquo e de ldquoI-Juca-Piramardquo. O grande poema de Gonçalves Dias, no qual o medo e a coragem são levados ao limite, impressionou-me indelevelmente.

É também da infância o pai companheiro de esportes. No jogo de pelota descubro o mundo dos adultos. E a relatividade dos princípios morais para alguns, mas não para meu pai. Ultimo ponto do jogo de pelota. A bola bate muito perto da linha. Fora ou dentro? Se for fora, ganha a dupla adversária. O companheiro de meu pai começa a discussão, mas meu pai não hesita: a bola foi fora. E o companheiro: ldquoMas Sylvio, honestidade tem limites!rdquo Para meu pai não tinha. Ele sabia muito bem que na vida é preciso ser razoável e evitar o tudo ou nada, mas em matéria de princípios morais não pode haver transigência.

O pai da adolescência é o pai político, eleito deputado estadual constituinte em 1947, em São Paulo. É o pai que, alguns anos antes, quando lhe perguntara, ldquoPai, o que é política?rdquo, respondeu, talvez pensando em Getúlio Vargas, que admirava, não obstante houvesse lutado contra ele na Revolução de 1932: ldquoÉ a arte do compromissordquo. Em política é preciso saber fazer acordos e estabelecer consensos. Agora, como deputado pelo PTB, dedicava-se dia e noite ao interesse público. Seus melhores amigos na Assembléia estavam em outros partidos: Auro de Moura Andrade, na UDN, Ulysses Guimarães, no PSD. Eram os deputados intelectuais. Tem também companheiros de partido que lhe são muito próximos. O mais fascinante foi Emílio Carlos, grande orador o mais contraditório, Hugo Borghi, cheio de idéias e de energia, mas sem condições para realizá-las.

Não logrando reeleger-se, o pai da adolescência é novamente o pai jornalista. Funda e durante cinco anos dirige um jornal em São Paulo: O Tempo (1950 e 1955). Hermínio Sacchetta, o grande jornalista, é seu braço direito. O Tempo era um jornal independente e liberal. Chegou a competir pelo segundo lugar entre os jornais de São Paulo. Mas faltou fôlego financeiro a meu pai. Recusando-se a vender o jornal para este ou aquele político, para este ou aquele conjunto de interesses, manteve-o independente, ao mesmo tempo que nele aplicava todo o seu patrimônio, que amealhara como advogado. Quando o jornal fechou, em dezembro de 1955, havia perdido tudo, e ainda teve que pagar durante quinze anos dívidas ao Banco do Brasil.

O pai da minha juventude está, junto com minha mãe, reconstruindo a vida. Volta à banca de advocacia, que abandonara oito anos atrás. E volta ao Instituto de Previdência e Assistência dos Empregados da União, do qual era advogado, assumindo logo a chefia de sua assessoria jurídica. É nessa época, também, que assume a presidência do IAPC e, depois, a diretoria em São Paulo do Conselho de Defesa Econômica. A política o rejeitara, mas o debate dos grandes problemas nacionais continua a apaixoná-lo. No almoço de sábado, em que todos os filhos estavam presentes, inclusive os três adotados, em pouco tempo o tema virava para a política. Meu pai era então um típico social-democrata. Seu modelo era o trabalhismo britânico.

E novamente aparecia com toda força o pai companheiro. Eterno amante de sua mulher Clarita. Sempre encantado com sua única filha, a Princesa, como ele a chamava. Por algum tempo, se interessava pelo jogo de bridge. Mas depois de alguns anos, uma velha paixão da juventude volta com toda a força: a literatura.

Suas primeiras tentativas são de escrever teatro. Não dão certo. É colega e amigo de Sabato Magaldi, no IPASE, a quem submete sua primeira produção. Apesar do incentivo, não leva a empreitada adiante. Para escrever teatro é preciso também viver o teatro.

Aos poucos começa a escrever novelas. Envia suas duas primeiras novelas ao Clube do Livro, com pseudônimos: ganha o primeiro prêmio e Nem a Glória do Inferno é então publicado. As editoras comerciais começam a se interessar por seus trabalhos. Multidão em Fúria, publicado pela Editora Record em 1984, é um fascinante relato de um linchamento em uma pequena cidade do interior de São Paulo. Em 1987 ganha o primeiro prêmio da Academia de Letras, com Fuga para a Esperança. Suas novelas são sempre curtas, movimentadas e bem escritas. O gênero fica entre o policial e o político. Essa característica se manterá mesmo no livro mais bem sucedido que escreveu para adolescentes, A Primeira Reportagem, publicado pela Editora Ática.

Poderia ter tido mais êxito público como escritor, mas, nessa época meu pai se torna um homem retraído. Que preferia ficar em casa. Que não disputava posições. Que não participava dos círculos literários. Tornava-se, assim, difícil um reconhecimento mais amplo do seu trabalho. Estava envelhecendo, e agora, adora receber os filhos para jantar. Cultivar seus amigos e parentes. Ler os jornais. Acompanhar os sucessos dos filhos. É sempre um grande apreciador do vinho e de um ótimo papo. Os jantares são sempre alegres, os debates políticos e culturais, muito agradáveis. Não quer convencer ninguém, mas continua tão indignado como estava na juventude contra a corrupção e o abuso.

Esse pai da minha própria maturidade continua sempre o pai companheiro. O pai que não recusa um conselho quando lhe pedimos. Conselho muitas vezes precioso. O pai que se preocupa com todos os seis filhos, mas sempre de forma suave. E, com a idade, vai se tornando politicamente conservador. A justiça se realiza agora através da ordem. E vai também se tornando religioso: quando jovem, era praticamente ateu. Foi minha mãe que nos ensinou religião. Agora, o catolicismo é redescoberto.

A morte de minha mãe, em 1990, foi um enorme golpe para ele. Sua Claritinha era uma companheira para todos os momentos. Pouco depois descobre-se que ele também era vítima de uma doença incurável, que lhe roubaria a vida cinco anos depois. Os últimos anos não foram fáceis. Foi aos poucos obrigado a abandonar a literatura. Não obstante, ainda em 1994 publicou um belo livro, que escrevera ainda quando minha mãe era viva, pela editora Paulicéia, Amor e Morte em Atlântida. É um livro ao mesmo tempo político e de ficção científica, que tem como palco as grutas de São Tomé das Letras e a Atlântida.

Afinal, no último dia 19 de maio, aos 84 anos, não resistiu mais à doença. Talvez não tenha sido um grande jornalista, ou um grande advogado, ou um grande político, ou um grande escritor. Sempre, entretanto, realizou essas tarefas com a grandeza de quem se dá todo ao seu trabalho.