Prezado
Pesquisador,
Minha entrevista ao jornal da SBPC, Ciência Hoje, continua a repercutir
negativamente. Já ficou claro que jamais usei a expressão "capim" e sim
"carro". O jornalista já admitiu o seu erro. Perguntado pelo repórter porque o
Nordeste recebia relativamente menos bolsas do CNPq (em relação à sua população),
procurei dar a resposta mais clara e franca possível, não fui cuidadoso em medir as
palavras, e acabei sendo completamente mal interpretado. Imediatamente escrevi uma nota,
que enviei aos deputados e senadores que me trouxeram o problema, além de
colocá-la na home page do MCT. Agora decidi enviar-lhe diretamente a nota, anexada, complementando-a com
algumas informações.
Jamais disse
que no Nordeste não existam excelentes pesquisadores, de nível internacional. Existem, e
muitos - um deles foi e é um dos meus grandes mestres, o prof. Celso Furtado. No meu
presente posto tenho, sempre que possível, pedido a colaboração de um dos mais
importantes físicos do país, Sérgio Rezende. Jamais disse que garantir apoio a
pesquisadores do Nordeste seria jogar dinheiro fora, ou tirar dos competentes e dar para
os incompetentes. Disse apenas que se estabelecêssemos quotas para cada região,
estaríamos, sim, abandonando o critério de excelência que é defendido também pelos
pesquisadores do Nordeste que fazem parte dos Comitês Assessores. O de julgamento por
pares é universalmente usado pelos Conselhos de Pesquisa de todos os países. Era somente
a essa questão da forma de alocação geral das bolsas a que estava me referindo. Jamais
pensei estar relegando papel x ou y ao Nordeste.
Ao contrário,
desde que assumi essa pasta venho tentando pensar programas de Desenvolvimento Regional
visando corrigir alguns dos terríveis desequilíbrios hoje existentes. O CNPq possui o
Programa Nordeste, que já renovei. Esta é uma forma importante de estimular a pesquisa
na região. Além disso espero obter, como digo em minha nota, recursos adicionais para a
região através de financiamento do BID.
Algumas
pessoas têm dito que sou elitista, que manifestei preconceito em relação ao Nordeste.
Nada mais longe de mim do que isto. Não apenas porque seria contra meus princípios.
Também porque é contra a realidade de uma plêiade de pesquisadores e, mais amplamente,
de intelectuais nordestinos que honram o Brasil.
Peço, de
qualquer forma, desculpas pelo mal-entendido que provoquei.
Cordialmente,
Luiz Carlos Bresser Pereira
Ministro de Ciência e Tecnologia

Nota
referida pelo Ministro
Vários amigos
nordestinos telefonaram-me, entre indignados e surpresos, com uma entrevista que dei ao
jornal da SBPC, Ciência Hoje, no qual, referindo-me ao problema do gasto
relativamente menor do Governo Federal em ciência e tecnologia na região, dizia que não
se deveria colocar o "capim" na frente dos bois (veja
esclarecimento). Mais indignado fiquei eu, porque jamais usei tal expressão, que,
aliás, não faz sentido ou só faz sentido se a pensarmos de forma injuriosa.
Disse sim, usando uma expressão bem conhecida, que não se deve "colocar o carro
na frente dos bois". Este esclarecimento já está feito na página da internet
do MCT.
Desde que
assumi o MCT, tenho dado uma prioridade especial ao Nordeste. Se não contarmos a cidade
do Rio de Janeiro, onde esse ministério vários centros de pesquisa e a FINEP, Fortaleza
foi a primeira, e até agora uma das únicas capitais de Estado que visitei
como Ministro da Ciência e Tecnologia. Fiz a visita para prorrogar e ampliar um programa
de difusão tecnológica que o ministério vem realizando com o Governo do Estado do
Ceará. Como considero esse programa excelente, já estou tomando providências junto ao
BID para conseguir financiamento para estender o programa para os demais estados da
região.
Meu apreço
pelo Nordeste vem de longa data. Um apreço que não deriva apenas da solidariedade por
uma região que tem sofrido as conseqüências duras de estar localizada em grande parte
em uma região semi-árida. Vem também da admiração que tenho pela fibra dos
nordestinos, por sua capacidade empresarial, artística e científica. Muitas vezes é o
desafio representado pelas condições adversas da natureza, que estimula as grandes
realizações.
Existe,
porém, um problema concreto: as bolsas de pesquisa que o MCT distribui, através
principalmente do CNPq, são, proporcionalmente à população, em menor quantidade do que
para o resto do país. Por que? Basicamente em função do fato de que o CNPq, seguindo
nesse sentido a linha de todos os conselhos de apoio à ciência existentes no mundo,
distribui as bolsas de acordo com a qualidade dos projetos que os grupos de pesquisa que
os apresentam.
Quem julga
essa qualidade? Os próprios cientistas, através de um sistema que chamamos de
"avaliação de pares". Para cada uma das 35 áreas temáticas em que está
dividida a ciência no Brasil, temos um Comitê Assessor composto de cerca de 4 cientistas
de reconhecida competência. Como o Nordeste contam com excelentes cientistas, temos nos
comitês 18 cientistas provenientes de universidades e institutos isolados de pesquisa da
região. Os comitês recebem as propostas dos seus pares, ou seja, dos demais cientistas,
e as julgam segundo o critério de excelência científica. Como têm uma quota de bolsas
limitadas, em geral aprovam cerca de metade dos pedidos. O próprio ministro e os
vice-presidentes do CNPq não interferem no processo.
Dada a
natureza do processo, e não obstante o número de cientistas do Nordeste nos Comitês
Assessores, o Nordeste recebe relativamente menos do que o resto do país em termos de
bolsas. Recebe 14 por cento das bolsas, quando conta com 28,5 por cento da população.
Que fazer
diante disto? Mudar o sistema de julgamento por pares que é essencial para o progresso da
ciência no Brasil? Isto seria colocar o carro na frente dos bois, e usar mal o dinheiro
público. Os próprios bons cientistas do Nordeste não concordariam. A solução mais
geral é conhecida por todos nós. É desenvolver mais o Nordeste. É realizar
investimentos maciços em educação.
Dentro do
âmbito específico do MCT é também possível agir, e, de fato iniciativas estão sendo
permanentemente adotadas. Como resultado, o investimento em bolsas de estudo e de pesquisa
no Nordeste, nos últimos quatro anos (de 1995 a 1998) aumentaram em 10 por cento em
termos reais, enquanto que caiam 29 por cento no Sudeste e 17 por cento no Sul (tabela 3).
Por outro lado
os apoios do MCT à pesquisa não se limitam às bolsas do CNPq. Através do FNDCT e da
FINEP, o ministério tem procurado dar sempre uma atenção especial à região. E o
próprio CNPq desenvolveu, juntamente com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ceará,
o programa de difusão científica e tecnológica, que atende as regiões mais pobres do
estado. É esse programa que espero poder ampliar para toda a região nordestina, a partir
do momento em que consigamos recursos adicionais, que provirão provavelmente do BID, com
o qual já estou em entendimentos.
Investimentos em Recursos Humanos e Pesquisa
(R$mil)
1995 a 1998
Tabela 1
Bolsas no País |
Região |
1995 |
1998 |
Crescimento % |
Norte |
6.441,2 |
9.323,4 |
45% |
Nordeste |
39.687,6 |
42.199,7 |
6% |
Sudeste |
284.828,3 |
221.355,5 |
-22% |
Sul |
60.026,2 |
51.064,8 |
-15% |
Centro-Oeste |
22.412,3 |
24.694,2 |
10% |
Outros |
385,2 |
16,1 |
-96% |
Total |
413.780,8 |
348.653,7 |
-16% |
Fonte: MCT/CNPq
Nota: Outros = bolsistas sem vínculo; instituições no exterior |
|
Tabela 2
Fomento à Pesquisa |
Região |
1995 |
1998 |
Crescimento % |
Norte |
310,7 |
1.090,3 |
251% |
Nordeste |
2.968,0 |
7.016,5 |
136% |
Sudeste |
15.378,7 |
13.410,2 |
-13% |
Sul |
4.203,8 |
4.547,7 |
8% |
Centro-Oeste |
1.919,5 |
4.118,8 |
115% |
Outros |
12.510,6 |
1.094,0 |
-91% |
Total |
37.291,3 |
31.277,5 |
-16% |
Fonte: MCT/CNPq
Nota: Outros = bolsistas sem vínculo; instituições no exterior |
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Tabela 3
Bolsas de Estudo - Bolsas de
Pesquisa - Fomento à Pesquisa |
Região |
1995 |
% do total 1995 |
1998 |
% do total 1998 |
Crescimento % (1995/98) |
Norte |
7.286,3 |
1,52% |
10.925,3 |
2,76% |
33% |
Nordeste |
45.967,7 |
9,59% |
51.358,6 |
13,00% |
10% |
Sudeste |
313.665,90 |
65,44% |
242972,2 |
61,49% |
-29% |
Sul |
69.475,9 |
14,50% |
59.423,3 |
15,04% |
-17% |
Centro-Oeste |
26.116,0 |
5,45% |
30.438,4 |
7,70% |
14% |
Outros |
16.781,6 |
3,50% |
16,1 |
0,00% |
-104134% |
Total |
479.293,4 |
100% |
395.133,9 |
100% |
-21% |
Fonte: MCT/CNPq
Nota: Outros = bolsistas sem vínculo; instituições no exterior |
