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Discursos
Despedida do MCT

Luiz Carlos Bresser Pereira

Ministro Ronaldo Sardenberg.

Meus amigos.

Meus companheiros de trabalho.

A vida nos reserva sempre surpresas. Há pouco mais de seis meses não esperava ser convidado para continuar no governo. Havia insistentemente advogado a integração do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado ao Ministério do Planejamento, para que, através do poder do orçamento, fosse possível implementar a reforma gerencial da administração pública. Adotada como foi essa alternativa, a solução previsível seria a minha volta para a vida privada. O Presidente, no entanto, surpreendeu-me com seu convite para dirigir o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Recebi a nova missão com satisfação e humildade. Satisfação de ter mais uma oportunidade de servir o país, humildade porque sabia que teria muito a aprender no novo ministério. Agora fui novamente surpreendido com a decisão do Presidente de me substituir. Alegrou-me, porém, o fato de a pessoa escolhida, o Ministro Ronaldo Sardenberg, ter um amplo currículo de serviços ao país, e possuir todas as condições intelectuais e morais para realizar bem a tarefa.

O tempo foi curto. Não posso dizer, como disse ao terminar o governo anterior, que o MARE fora a melhor experiência da minha vida pública; que, ajudado por uma bela equipe, pudera formular o projeto de uma grande reforma da administração pública brasileira, e, no final, conseguira ver aprovada suas principais instituições. Mas posso, ainda assim, me alegrar com algumas realizações, que poderão ainda servir à causa da ciência e tecnologia do Brasil.

Procedi a uma ampla reorganização do Ministério, concentrando no CNPq o apoio à pesquisa científica e tecnológica realizada nas universidades, enquanto uma nova Secretaria Especial de Tecnologia e Empresa (SETE) em conjunto com a FINEP, assumiram o estímulo à pesquisa e desenvolvimento nas empresas. Enquanto acumulava a presidência do CNPq, reduzi de quatro para duas as secretarias no MCT, e criei três vice-presidências no CNPq, necessariamente ocupadas por três cientistas de reconhecida competência, um na área de ciências exatas e das engenharias, outro na das ciências da vida e biotecnologia, e um terceiro na área de ciências humanas e sociais aplicadas. O Pronex e a parte do PADCT orientada para as universidades passaram para o CNPq, enquanto a SETE ficou responsável pelo apoio à tecnologia nas empresas do PADCT e pelo programa de bolsas RHAE.

Transferi todos os institutos do CNPq para o MCT. Iniciei o processo de escolha de seus diretores através de search committes, e estimulei sua transformação em organizações sociais.

Foi iniciado e já se encontra bastante adiantado o processo de unificação dos currículos, abrangendo todo o sistema de apoio à pesquisa, a partir da adesão da CAPES e da FAPESP. Ao mesmo tempo, abrangendo todos os órgãos do MCT, está sendo unificado o processo de apresentação e análise de projetos de pesquisa através do desenvolvimento do Sistema Lattes (em homenagem a César Lattes), em substituição ao REACT do PADCT e do Genus, do CNPq.

Iniciei o processo de contabilidade gerencial no ministério, e dei os primeiros passos no sentido de revisar todo o sistema de estatísticas ou de indicadores de C&T, de forma a torná-los reais e simples. Criei uma Assessoria de Comunicação Institucional para dar mais clareza às políticas e mais transparência às ações do ministério, principalmente através dos sites na Internet.

Para toda essa tarefa de reorganização foi essencial a participação de uma Comissão Assessora formada por alguns dos mais significativos cientistas do Brasil, e a dos membros do Conselho Deliberativo do CNPq, aos quais muito agradeço.

Realizei com minha equipe o planejamento estratégico do Ministério, integrado ao Plano Plurianual (PPA). Este planejamento permitiu-nos definir com clareza a missão do MCT, que entendemos constituída de quatro elementos: 1 – o fomento do desenvolvimento científico e tecnológico; 2 – a produção direta de conhecimento científico e tecnológico através de institutos nacionais de pesquisa; 3 – a articulação do desenvolvimento científico e tecnológico com às necessidades do país; e 4 – o subsídio às políticas de governo nas questões em que os aspectos científicos sejam predominantes.

A partir dessa caracterização foi possível definir a Missão do MCT, como sendo:

Promover o desenvolvimento científico e tecnológico nacional, articulando-o com as necessidades da sociedade, das empresas, e do Estado, e subsidiar a formulação de políticas públicas em que o componente científico seja predominante.

Nesse mesmo planejamento estratégico ficou definido que nosso principal problema é o de termos uma oferta de ciência e tecnologia por parte do Estado maior do que a demanda das empresas. Este desequilíbrio se expressa no fato de que, no Brasil, dois terços dos gastos em ciência e tecnologia são realizados pelo Estado e um terço pelas empresas, enquanto que nos países desenvolvidos essa relação é inversa. Diante disso ficou estabelecido que teríamos como desafio maior estimular a P&D nas empresas.

Para isto uma tarefa urgente foi o de revisar, em comum com os empresários e técnicos do setor, a lei 8248 de estímulo à informática e à pesquisa nesta área, que se esgotará em 31 de outubro deste ano. Além disso começamos a dar os primeiros passos no sentido de criar os Painéis Setoriais de Ciência e Tecnologia, de caráter presencial e virtual. Através deles teremos reuniões anuais e a construção para cada painel de um site na Internet vivo e interativo, reunindo as empresas demandantes, os laboratórios de pesquisa ofertantes, e as organizações a agentes financeiros facilitadores, a partir da liderança do agente animador: a SETE. A idéia dos painéis baseia-se em várias experiências que já vêm sendo realizadas, especialmente as redes de ciência e tecnologia organizadas por Rui Caldas no CNPq, e as plataformas do PADCT que Luiz ABC estruturou.

Finalmente, no planejamento estratégico começamos a definir os setores prioritários para nossa gestão. Adotamos dois critérios. Um, óbvio, privilegiando a agricultura e as doenças tropicais. Outro, menos óbvio, usando como critério o dinamismo tecnológico do setor: quanto mais dinâmico no plano tecnológico for o setor, mais prioritário deverá ser ele para o MCT . Por que isto? Porque nos setores mais dinâmicos a probabilidade de ocorrerem inovações é muito maior do que nos demais. Ora, inovações criam vantagens monopolistas, geram lucros extraordinários, e se constituem, conforme tão bem ensinou Schumpeter, na mola do desenvolvimento econômico. Aplicado esse critério, os setores prioritários são a tecnologia da informação e a biotecnologia. Caso consigamos êxito em desenvolver esses setores, lograremos inovações para o país, ou, pelo menos, conseguiremos neutralizar as inovações realizadas no exterior.

Em todo esse esforço de planejamento ficou claro que os cientistas são os nossos clientes por excelência, atendidos principalmente pelo CNPq, mas que temos dois outros cliente estratégicos, a serem atendidos pela SETE e a FINEP: os engenheiros e as pequenas e médias empresas com alto conteúdo tecnológico.

Como já acontecera com a reorganização do ministério, também para o seu planejamento estratégico contei a colaboração essencial de um pequeno grupo de cientistas, engenheiros e empresários.

Ao mesmo tempo que fazíamos o nosso planejamento estratégico, meu Secretário Executivo, Carlos Pacheco, que de tudo participava, realizava um notável trabalho no plano do orçamento. Foi isto que nos permitiu retomar e, aos poucos, por em dia os pagamentos das bolsas do CNPq, do Pronex, do PADCT, e de uma parte dos auxílios à pesquisa do CNPq. Apenas em relação ao FNDCT, cujos comprometimentos eram três vezes superiores às disponibilidades, será necessário cancelar uma parte deles. No geral, o desembolso efetivo do governo em ciência e tecnologia neste ano, que inicialmente eu pensava que seria menor do que o de 1998, na verdade será substancialmente maior, inclusive porque já poderemos contar com o fundo do petróleo para financiar um amplo leque de pesquisas já comprometidas.

Na área das políticas públicas em que o componente científico é dominante, duas questões sobressaíram-se – a da mudança global de clima e a das plantas ou alimentos transgênicos. Envolvi-me profundamente no debate. Percebi que não era apenas o interesse econômico do país que estava em jogo, mas sim a própria legitimidade da ciência e dos cientistas brasileiros. Se há entre eles uma quase unanimidade de que os organismos geneticamente modificados são seguros para a saúde e o meio-ambiente, desde que examinados caso a caso, e se esse consenso se refletiu nas decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, no momento em que a avaliação dos cientistas passou a ser contestada por consumidores e ambientalistas, vimo-nos diante de um ataque à própria ciência. Enfrentamos um novo obscurantismo. Os aspectos éticos da pesquisa e da aplicação das descobertas cientificas foram confundidos com o os aspectos estritamente científicos das avaliações realizadas. O consenso da comunidade científica, que há dois séculos serve de critério para o que é verdadeiro e o que e falso, deixa de sê-lo, pretendendo-se substituí-lo pelo debate público dos leigos.

Por outro lado, neste mundo cada vez mais interdependente, em que a ideologia da globalização pretende negar a autonomia dos estados nacionais e reduzir tudo ao mercado, inclusive a própria ciência, vemos os próprios cientistas serem constrangidos, para obterem verbas para suas pesquisas, a um instrumentalismo inaceitável. Não há dúvida de que a ciência deve estar voltada para o desenvolvimento tecnológico e econômico, não há dúvida de que ela deve responder às demandas da sociedade, mas é essencial não esquecer que o principal objetivo da ciência é a busca do conhecimento, e que conhecimento é um dos objetivos finais da humanidade.

Por isso, podemos dar mais impulso às pesquisas induzidas, mas a maioria do orçamento do CNPq deve continuar voltado para atender à demanda espontânea dos cientistas. Por isso podemos querer impulsionar a ciência aplicada, a tecnologia, mas não podemos perder de vista o significado da pesquisa básica.

Foram estas idéias que desenvolvi em meu discurso na Conferência Mundial sobre a Ciência, que a UNESCO e a ICSU realizaram em Budapeste no final de junho. Senti a urgência de fazer um discurso "Em Defesa da Ciência", porque na própria conferência era possível ver com clareza a crise da ciência – crise que em grande parte deriva do seu próprio êxito, deriva do fato de haver possibilitado que os homens e as mulheres dobrassem seu tempo médio de vida, que vivessem melhor e mais bem informados. Ao lograr esses objetivos, a ciência passou a estar presente em nossa vida diária, e passamos a questioná-la. A questioná-la não apenas nos seus aspectos éticos – o que é legítimo, já que cabe aos cidadãos decidir democraticamente sobre eles – mas também nos seus aspectos exclusivamente científicos. Ora, nesse momento, como quando ela é reduzida a instrumento do mercado ou do desenvolvimento econômico, a ciência está sob ataque. É nosso dever defendê-la.

Meus amigos,

foi um privilégio ter podido realizar estas tarefas no MCT, nestes seis meses. Foi um privilégio conhecer e trabalhar com tantos cientistas admiráveis. Gostaria de citar todos os que me ajudaram a pensar o problema da ciência e tecnologia no Brasil, mas vou nomear apenas um como representante de todos – José Galizia Tundisi, que tanto me impressionou pela generosidade e pela grandeza com a qual me apoiou na reorganização do ministério, embora esta lhe tenha custado o cargo de Presidente do CNPq, que com tanta competência e espírito público ocupou nos quatro anos anteriores. Ao homenageá-lo, quero homenagear todos os cientistas brasileiros.

Meus companheiros de equipe,

quero também agradecer a cada um de vocês pelo trabalho realizado. Quero agradecer a Carlos Pacheco, meu admirável secretário executivo. Quero agradecer a meus seis colaboradores a nível de secretário: a Ângela Santana, que será sempre para mim um modelo inexcedível de servidora pública e de amiga; a Arthur Barrionuevo e Mauro Marcondes, dois economistas que na SETE e na FINEP iniciaram um belo trabalho de cooperação; e a três cientistas que suspenderam por algum tempo sua atividade de pesquisa para se transformarem nos primeiros três vice-presidentes do CNPq: Denis Rosenfield, Evando Mirra, e Fernando Reinach. Quero também agradecer a Letícia Schwarz, que tão rapidamente superou sua juventude e se tornou minha excelente chefe de gabinete; a Jaura Rodrigues, assessora parlamentar de escol que foi tão importante na aprovação da reforma administrativa e hoje já domina plenamente a área de ciência e tecnologia; a Maria Teresa Correia da Silva, minha competente assessora jurídica desde o MARE; ao economista Nelson Marconi e à gestora pública Marianne Nassuno, meus dois ex-alunos e perfeitos colaboradores para todas as tarefas; a José Murilo Júnior, que criou com tanta competência a homepage do MARE e agora está organizando a do MCT; a Obdúlia Belmonte, Frederico Carelli Brito e Valéria Nacaxe, José Augusto Martinez, que deram suporte para meu trabalho desde 1995; e a meus novos assessores no MCT, Marisa Cassin, Ruy Albuquerque, Maurício Mendonça Jorge, Manoel Montenegro, Lélio Fellows, Albanita Viana de Oliveira, Simone Scholtze, José Miguez e Paulo Egler. Quero agradecer especialmente a meus dois diretores administrativos, Edmundo Taveira e Gerson Galvão, e, através deles, todo esse notável grupo de servidores que trabalham para o MCT, o CNPq, e a FINEP. Quero, ainda, agradecer a Jacob Palis, que escolho para representar os cientistas trabalhando nos institutos de pesquisa do Ministério. Meu agradecimento final e mais importante, entretanto, é para minha mulher, Vera Cecília, que sempre me apoiou, e, nos momentos mais difíceis, sempre me ajudou a pensar e a tomar as decisões mais importantes.

Meus amigos e meus companheiros de trabalho,

hoje encerro quatro anos e meio de serviço ao governo Fernando Henrique Cardoso. Agradeço ao Presidente ter-me delegado parte do seu poder recebido do povo brasileiro nesse período. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para usá-lo bem, sabendo que o verdadeiro poder não está na possibilidade de dar ordens e assinar portarias, mas na capacidade de formar uma equipe e de motivá-la, de formular um projeto e obter apoios mais amplos para ele, e, afinal, na capacidade de executar com êxito o projeto formulado. Consegui esse resultado no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, não o logrei no MCT. O trabalho estava ainda no começo e foi interrompido. Estou seguro, entretanto, que depois de fazer as correções de rota que julgar necessárias, Ronaldo Sardenberg conseguirá fazer avançar a ciência no país. Este é um projeto prioritário para o povo brasileiro. A ciência e os cientistas não podem ser ignorados nem ameaçados. Exigem o apoio e o respeito que é próprio dos países que têm um projeto de nação.

Agora, volto para a vida privada, e vou me dedicar às atividades acadêmicas. As ciências que pratico, a economia e a ciência política, são modestas perto das grandes ciências que procurei apoiar. Mas apesar de suas limitações, são também essenciais para o Brasil que queremos construir. Volto para São Paulo deixando muitos amigos em Brasília dos quais sentirei falta. Volto com o sentido de ter cumprido com o meu dever para com meu país, para com seus servidores públicos, nos primeiros quatro anos, e para com os cientistas, nestes seis meses.

Volto com a esperança de que o país possa, afinal, retomar o caminho do desenvolvimento, e que esse desenvolvimento possa ser menos injusto do que foi até agora. Já alcançamos a estabilidade macroeconômica. Espero que com a reforma ministerial agora efetivada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que inclui mudanças tão necessárias na organização da própria Presidência, possa o país dar os passos necessários para consolidar o outro fator da equação do desenvolvimento econômico, ou seja, possa aumentar a poupança nacional e retomar o investimento com incorporação do progresso técnico. E lembro que o desenvolvimento tecnológico cada vez mais se aproxima do próprio desenvolvimento científico, tornando o MCT, que já era estratégico, ainda mais estratégico para o Brasil.

Muito obrigado a todos.